Capitulo
Dois
Os olhos
grossos e azuis procuravam insistentemente um foco para que a sua imagem
finalmente pudesse ser capturada. O cenário que se discorria a sua frente era
típico de New Jersey: as grossas gotas de chuva que escorregavam sobre a janela
de vidro do estúdio de fotografia de sua faculdade, aliadas a neblina
insistente do dia frio, faziam daquele cenário perfeito para uma boa
fotografia. O céu já estava perfeitamente decorado em seus tons mais escuros,
anunciando a noite na cidade, de modo que Faith viu o dia passar diante de seus
olhos sem perceber, somente fotografando tudo o que lhe parecia interessante
para o foco de sua câmera. Apenas quando o sinal do tão temido toque de
recolher ecoou por toda a universidade que a garota finalmente despertou de seu
estado nostálgico com a fotografia, preparando-se para mais uma noite, dessa vez
solitária em sua casa. Os dias eram os mesmos sem as suas saídas rotineiras.
Protegendo
a preciosa câmera fotográfica com o casaco escuro, sentia a chuva molhar-lhe os
cabelos escuros enquanto dava passos curtos e leves sob poças d’água
recém-formadas no calçadão, em direção ao seu carro, provavelmente o único
ainda presente no pequeno estacionamento da Universidade de Princeton.
Ao
alcançar o mesmo, largou seu corpo no confortável banco estofado e sua câmera
no outro, sem se preocupar se suas vestes úmidas molhariam ou não o interior de
seu automóvel. Aquele havia sido um dia particularmente estranho, Faith pensou.
Ficara entretida com a fotografia não só pela agradável sensação que isso lhe
proporcionava, mas também porque, naquele dia em especial, serviu como uma
distração. Se não fosse isso, provavelmente ainda gastaria mais alguns de seus
preciosos minutos enfurecida com a insolência do menino de cabelos negros que a
abordara pela manhã. Mas àquela altura, isso já não a incomodava mais. Era como
se tivesse ocorrido há meses. Mais um acontecimento insignificante em sua vida
igualmente sem maiores emoções.
Faith
seguia pelas ruas sem se preocupar com a velocidade que empregava em seu carro,
ela só queria chegar a seu apartamento o quanto antes, relaxar seus músculos
com um banho quente e analisar meticulosamente se fizera um bom trabalho com
sua câmera no tempo em que passou fotografando.
Morava em
um dos bairros mais afastados da cidade, por isso, quando alcançou a primeira
das muitas ruas geralmente desertas àquela hora, sabia que estava perto. Mas a
sorte parecia não lhe querer sorrir tão facilmente assim, e Faith constatou tal
fato quando seu carro foi diminuindo a velocidade gradualmente até parar.
Novamente os pneus estavam furados.
Sem se
preocupar com a chuva que caia torrencialmente no exterior do seu carro
confortavelmente aconchegante, Faith desceu do mesmo ansiosa para trocar os
pneus e seguir para a sua casa. Porém assim que o fez, surpreendeu-se ao ouvir
uma voz masculina, provavelmente de algum velho bêbado, soando atrás de si.
— Cai
fora, velhote. — Faith cuspiu rapidamente, enquanto retirava o pneu vazio das
rodas de sua caminhonete. O velho não se intimidou com a sua grosseria, e
continuou se aproximando lentamente da garota, na escuridão da estrada, e ainda
com a chuva caindo sem pausas.
Em
momentos como aquele, Faith não temeria a aproximação, até porque nunca temeria
qualquer tipo de pessoa mal vestida ou com cheiro de vodka. Porém quando
voltou-se a voz masculina que soava atrás dela, ela temeu.
O homem,
que agora estava a poucos centímetros de seu
corpo, possuía um ferimento em toda a sua bochecha esquerda,
evidenciando que ainda que o sangue estivesse seco, era recente. Suas mãos
estavam sujas de barro, e seguravam uma garrafa de vodka. O caos havia se
alojado no corpo do velho, e sua aparência era digna de um filme de
terror. Porém, sem transparecer o choque que havia levado ao encarar aquela
face, Faith apenas se afastou do velho homem, e assim que percebeu que estava
encostada sobre o capô de seu carro, e sem saída, perguntou:
— O que o
senhor quer? — Falou, tentando não evidenciar em sua voz o quão desconfiada
estava daquela situação. A chuva, que antes caía fortemente sobre a estrada, já
havia parado, e aquilo por um momento a deixou mais aliviada.
O velho
homem, que antes não havia expressado qualquer reação a presença dela, sorriu
lentamente, e tomando mais um gole da garrafa de vodka barata
que possuía em suas mãos, respondeu:
— Essa é
uma pergunta difícil senhorita. Observando as circunstancias em que
estamos. — O homem falou, pigarreando em seguida, e apontando com as suas mãos
a estrada vazia a sua frente. Voltou se a Faith, e mais uma vez
sorriu. — Você pode decidir, se eu sou o homem mal, ou o homem que
vai te ajudar a sair daqui, para o conforto da sua casa. — O que você
acha?
— Eu não
acho nada. Eu só quero que você vá embora e me deixe em paz. — Faith
cuspiu para o velho. Ele semicerrou os olhos e deu um sorriso para a moça,
deixando visíveis os dentes amarelados.
— O seu
desejo não é uma ordem, bonitinha. — Balbuciou,
aproximando-se de Faith e soprando seu hálito podre no rosto da
menina. — Você é muito gostosinha para eu te deixar ir.
Faith
estremeceu quando ele a pegou pelo pescoço e enfiou o nariz nos seus cabelos,
inspirando o aroma que o shampoo que ela usava deixara. Dos cabelos, ele desceu
para o pescoço. Faith podia sentir os lábios nojentos roçando na sua pele. Ela
queria gritar, mandá-lo tirar suas mãos imundas dela e a deixar em paz, mas
estava tão enojada que sua única reação foi esperar o homem voltar sua atenção
para ela e cuspir no rosto do mesmo.
— Eu
mandei você ir embora. — Rosnou, não sabendo como encontrara sua voz
naquele momento.
O velho
levou alguns segundos para entender o que tinha acontecido, mas quando o fez
segurou os braços de Faith com tanta força que ela foi obrigada a cerrar os
dentes para conter um gemido de dor. Ele foi com tudo para cima dela, mas antes
que pudesse ter algum contato mais íntimo com a menina ela fechou os olhos e
virou o rosto.
— Olha
pra mim, bonitinha. — O homem resmungou, apertando ainda mais seus
braços. — Eu quero que você veja o que eu vou fazer com você. — Ele deu uma risada rouca, recheada de más intenções. Faith
sentiu cada pelo do seu corpo se eriçar, mas não se virou. Quando ela se
preparou para dar uma joelhada no meio das pernas do velho e acabar com aquilo
de uma vez por todas, ouviu outra voz masculina. Outra voz masculina
estranhamente familiar.
— Você
não vai fazer nada com ela, Joe. Deixa a menina em paz. — Faith então
olhou. Era o mesmo garoto da universidade. Seu estômago deu duas voltas e
gelou. O que ele estava fazendo ali?
— A
bonitinha aqui precisa de um trato antes que eu a deixe em paz. — O
velhote resmungou em resposta quando o reconheceu.
— Eu
mandei deixa-la em paz. — O outro falou, entredentes. Ele inclinou
minimamente a cabeça para a direita e semicerrou os olhos para o homem, que
afrouxou o aperto nos braços de Faith e deu uma última olhada para ela antes de
se afastar.
— Você tá
me devendo uma, marrentinho. — Falou para o garoto ao passar por ele,
o dando um esbarrão que poderia ter levado qualquer um mais fraco que ele ao
chão.
Faith
observou, por parte incrédula e por parte aliviada a situação que se discorreu
diante de seus olhos mais rápido do que ela imaginara. Quando sua respiração se
normalizou e ela foi capaz de controla-la normalmente, observou que o garoto
que a havia "salvado", mesmo que fosse difícil admitir, estava parado
a uma boa distancia sua, a observando.
Faith
porém não fez questão de falar com ele. Apenas voltou-se a sua missão que
anteriormente fora interrompida, colocando o macaco em seu devido lugar, e após
retirar todos os pregos da roda começou a retirar cuidadosamente o pneu furado
do lugar.
Entretanto,
assim que concentrou-se novamente, a voz do garoto que aparentemente havia ido
embora, soou.
— Eu acho
que mereço um agradecimento por te livrar dessa, bonitinha. — O
garoto falou, fazendo questão de impor o apelido no final da frase, assim como
o velho havia feito. O toque de humor em sua voz estava explicito, porém Faith
não estava rindo.
— Não.
Você deve voltar para o seu caminho, sabe-se de onde você
surgiu. — Faith respondeu ainda sem voltar-se para o garoto, porém
sabendo-se que pelos passos que seus ouvidos captaram, ele estava cada vez mais
perto. E a garota não sabia o porquê de ficar mais nervosa com a sua aproximação,
do que havia ficado com a aproximação do velho.
— Eu sou
seu salvador. Surjo de lugares inimagináveis e estou aqui para te proteger.
Tipico clichê romântico não acha? Mas você está fugindo do roteiro
recusando a me agradecer pelo meu feito. — Ele falou, rapidamente e
provavelmente sem analisar suas próprias palavras. Balbuciou um "tsc
tsc" reprovando atitude da garota de não agradece-lo,
aproveitando-se totalmente do humor em sua frase. Faith estava de costas para
ele, porém podia sentir que sua postura provavelmente estava em forma de
deboche. Suas palavras, de tão automáticas fizeram com que, em seu
interior, Faith sentisse vontade de rir. Talvez de gargalhar. Mas como sempre,
a proteção invisível que a garota carregava com si, a impedia de se socializar
e agir como uma pessoa normal. Rir claramente não estava na lista de suas
atividades rotineiras. Então apenas ignorou.
Por outro
momento, perdida em seus devaneios, Faith também teve vontade de agradecer,
sinceramente por ter se livrado do homem que por alguns segundos a fez temer.
Porém novamente a tão clamada e costumeira ignorância a recordou que ela era a
sua emoção mais rotineira, e que era nela que Faith deveria confiar. Ela não
podia deixar-se levar por uma emoção rara que havia surgido com um toque de
mãos e com uma piada muito mal feita. E com esse pensamento, voltou-se a sua
tarefa, desligando-se de qualquer ruído que o garoto fizesse para atrai-la. Ela
sabia que ele estava ali, pedindo para ser notado com as suas atitudes
ridiculamente irritantes. Ele fazia o tipo que ela mais odiava. O tipo feliz
por qualquer coisa, o tipo comediante, o tipo em que seus sentidos gritavam
para que ela ficasse longe.
Quando
terminou de recolocar o pneu novo no lugar do velho, e se preparava para entrar
em seu carro e partir para uma longa noite de descanso, seu salvador —
que ela havia obrigado a esquecer durante a sua missão de arrumar seu
carro, se materializou de frente para a porta do
seu automóvel com um sorriso largo no rosto, a impedindo de entrar.
— Boa
noite, bonitinha. — Mais uma vez bancou o engraçadinho e piscou
encantadoramente para ela. Seus braços estavam diante de seu corpo, um em cada
lado, a impedindo de sair dali. A aproximação era mais do que perigosa, e Faith
grunhiu em reprovação a aquele ato. Aquele simples ato, a havia deixado
furiosa. Não era possível que para ele era tão difícil se
manter longe. Não era possível que ele não sabia interpretar uma
palavra de ignorância. — Boa noite, Faith. — Ele repetiu,
porém dessa vez sua voz soou incrivelmente normal, principalmente quando
ele fez com que seu nome saltasse de sua boca. Faith estremeceu ao ouvir o seu
próprio nome, e com esse gesto, empurrou o garoto a sua frente, violentamente
para que ele se afastasse.
— Por
favor, não faça esse papel. Você é detestável e se eu estou te
falando isso, é porque quero você longe de mim. Não me faça ter que ser mais
grossa do que eu desejo. E obrigada. — Faith se forçou a dizer a ultima
palavra, ainda que seus sentidos a reprovassem de fato. Após isso, Faith não se
permitiu encarar o garoto nos olhos para ver a reação do mesmo. Apenas entrou
em seu carro, aconchegou-se em seu banco incrivelmente confortável e quente, e
partiu para a sua casa.
I
never knew daylight could be so violent...
(N:A: Olá,
pessoas! Aqui é a Carol que vos fala porque a Bianca é muito preguiçosa e tem
preguiça de escrever até uma nota final. Só gostaria de dar oi, e pedir para
que vocês comentem aqui, ou no twitter, ask.fm, em qualquer lugar, o que vocês
estão achando da história. Muito obrigada! ♥
Twitter: Bianca: @nayfsnicely, Carol: @camoraesn
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